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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

As pessoas e suas caixas

Existe uma expressão em inglês que me cativou praticamente desde a primeira vez que a ouvi: “Think outside the box”. Sei que a ouvi pela primeira vez na faculdade, e se não me engano foi em uma das aulas malucas de MCC (Matemática para Ciência da Computação) do primeiro período. Não sei se tem uma expressão semelhante em português, e a tradução literal (Pense do lado de fora da caixa) não faz muito sentido na nossa língua, mas o conceito por trás dessa frase é fantástico. Significa tentar olhar um problema (ou uma situação) de um ponto de vista diferente do que você tem olhado até então. Sair da inércia de um caminho que você julgava ser o melhor para a resolução daquele problema e começar a pensar nele de uma outra forma. Nem sempre é fácil, principalmente se você já gastou muito tempo e energia naquela tentativa frustrada. Isso porque temos um sentimento cultural (e as vezes destrutivo) de dificilmente desistir de algo no meio do caminho, por mais que aquele caminho se mostre inútil e inadequado. Imagino que seja para nos proporcionarmos uma sensação de que o que fizemos até então não foi em vão. No entanto, entender o espírito dessa frase não ajuda apenas na resolução de problemas matemáticos. Na vida também existem diversas formas de resolver um problema. E, o mais importante, existem diversas formas de enxergar uma situação. Ter paciência para reconhecer mais de uma dessas formas, mesmo que um determinado ponto de vista entre em conflito com suas convicções, é um dom que realmente não é muito comum de ser visto. Vou tentar mostrar o que quero dizer com três situações que recentemente ou aconteceram comigo, li ou ouvi falar em conversas com amigos, e convido o leitor a refletir sobre elas mantendo em mente o espírito da frase “Think outside the box”.

Um garoto de 5 anos tem uma festa a fantasia para ir na escola, no Halloween. Scooby-doo é o desenho que ele mais gosta de ver, e quando sua mãe pergunta com qual fantasia ele gostaria de ir, ele responde imediatamente: Daphne. A mãe tenta convencer o menino a ir com outra fantasia mas diante da insistência do garoto acaba cedendo. Perto do dia da festa, o menino começa a ficar apreensivo. Acha que os outros garotos vão rir dele se for vestido de mulher. A mãe, acreditando que não iriam rir de um garoto de 5 anos só porque ele se fantasiou de um personagem feminino de desenho animado justamente no dia de Halloween, resolve acalmar o menino e apoiar para que vá com a fantasia que quer. No dia da festa, o menino acaba sim sendo julgado. O problema é que não são os coleguinhas que zombam dele, mas as mães dos coleguinhas é que censuram a mãe do garoto por ter deixado o filho se fantasiar de mulher. Agora, pensa no absurdo da situação: a criança está se divertindo, os coleguinhas estão se divertindo, mas as mães estão incomodadas. Por quê? O que elas tem a ver com isso, se isso não incomoda nem à mãe do garoto, nem ao garoto, nem aos coleguinhas do garoto? A história aconteceu nos Estados Unidos e está narrada aqui pela mãe do garoto (em inglês). Ela diz, em um trecho, que “Se você pensa que eu permitir que meu filho se fantasie de um personagem feminino para o Halloween vai de alguma forma 'fazer' dele um gay, então você que é um idiota. Primeiro porque este é um conceito ridículo. Segundo, se meu filho é gay, tudo bem. Eu não vou amar ele menos. Terceiro, eu não estou preocupada que seu filho vá crescer e se tornar um ninja (por só estar usando uma fantasia de ninja).”. Logo depois, ela diz: “Se minha filha tivesse se fantasiado de Batman, ninguém teria questionado ela. Ninguém.”. E é aqui que cabe o “Think outside the box”. Você pode pensar na “caixa” da expressão como sendo um conjunto de conceitos relacionados a um tema, e que você está dentro dessa caixa junto com esses conceitos. Portanto, você utiliza apenas esse conjunto de conceitos, esse paradigma, ao pensar nesse tema e acaba desconsiderando que existem outros paradigmas possíveis. No caso, o machismo da nossa ideologia ocidental (e cristã, claro) recrimina o homem se ele sequer apresentar traços de características tidas como femininas (ou “inferiores”), quanto mais se vestir de mulher! Ao passo que, características tidas como masculinas (ou “superiores”) não desagradam tanto na mulher. E isso é gritante. Pergunte a você mesmo o que acha mais “agradável”: ver um casal de lésbicas criando um filho ou um casal de homens? Ver duas mulheres se beijando ou dois homens (tanto que o primeiro caso você já viu no horário nobre da televisão, e o segundo ainda não...)? Ver um homem cuidando de casa enquanto a mulher trabalha fora ou o contrário? Uma mulher no exército ou um homem no balé? São tantos conceitos machistas que foram sendo construídos através dos séculos e que acabaram formando essa “caixa” ridícula de que homem deve ser de um jeito, e mulher deve ser de outro. E para muitas pessoas sair dessa caixa e ver que nada disso tem sentido é muito difícil. O que nos leva a nossa segunda história...

Em novembro, quando fui pra casa dos meus pais (ver aqui), Gabriel manifestou para minha mãe a vontade de fazer aula de dança. Mais precisamente de balé. Só que ele não tinha coragem de pedir para a mãe dele. Obviamente com medo de ser rechaçado (não por ela, claro, mas pelos coleguinhas, por conhecidos, etc) e de ser tachado como gay. O problema é que esse tipo de preconceito vai sendo incrustado na nossa alma em doses constantes e homeopáticas através de comentários e atitudes aparentemente inocentes que ele escuta de alguém (“Coisa de viado fazer balé!” ou “Balé não é para homem!”, etc), principalmente em cidade do interior. Então não adianta nada chegar pra ele e dizer que isso não tem nada a ver, que é besteira e que ele deveria fazer balé se ele realmente gosta. Ele pode até acreditar, mas isso não vai dar coragem suficiente para ele “abrir a caixa” e olhar o “problema” de outra forma. O que podemos fazer por ele acredito que já tenhamos feito: só de ele ter falado isso pra gente, e ter se sentido a vontade falando, já nos diz que ele entende que existe um mundo, uma situação, em que ninguém acha anormal ou “coisa de viado” fazer balé. E se ele entende isso, foi porque acabamos combatendo o veneno homeopático do preconceito com um antídoto, também homeopático, da tolerância. Ele viu que ao falar isso lá em casa, ele não foi julgado, não foi ridicularizado. Pelo contrário: foi incentivado. Devemos sim é mostrar a ele que dança é um dom, uma habilidade, e uma que nem todo mundo tem. E que existem lugares que esse dom é tão valorizado que um bom dançarino de balé é praticamente celebridade! Enfim, dar forças e argumentos para que ele possa romper sozinho essa vergonha sem sentido e tomar enfim a decisão de fazer o que quer. Quando ele chegar nesse ponto, não haverá bulling que ele possa sofrer que vai fazer com que ele desista do balé. Antes disso, qualquer obstáculo pode fazê-lo desistir.
 

Por fim, leiam essa entrevista (clique aqui), tentem sair de todas as caixas que te prendem com relação a esse assunto e pensem nas opiniões deveras divergentes do senso comum dessa psicanalista. Num próximo post eu digo o que penso dos assuntos abordados por ela.

PS.: Enquanto divagava sobre o que escrever nesse post me propus um exercício que se mostrou fascinante: como eu pensaria e agiria se conseguisse sair de todas as “caixas”? Como seria o mundo pra mim então? Só consegui chegar a uma conclusão: se fosse hinduísta, seria um Sadhu. Se fosse budista, atingiria o nirvana. Sendo cristão (ou tendo sido?), seria tido apenas como mais um louco mesmo!