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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sobre religião...

Religião é sempre difícil de abordar. Diferente de quase todos os assuntos, é algo que praticamente todo mundo tem uma opinião formada e, muitas vezes, imutável. Tem por traz o conceito de fé que, particularmente, acredito ser a semente de quase todos os problemas que a religião traz consigo. A definição de fé, segundo o dicionário Michaelis, é “Crença, crédito; convicção da existência de algum fato ou da veracidade de alguma asserção”. Reparem como a definição de fé praticamente desconsidera qualquer lógica ou refutação. Você tem só que acreditar. Mais que acreditar, ser convicto. E aqui faço uma pausa para citar Nietzsche: “As convicções são mais inimigas da verdade do que as mentiras”. Concordo com ele (nessa frase, pelo menos)... Mas se discutir religião é assim tão inútil, uma vez que o interlocutor tem chance perto de zero de mudar de opinião, e ainda pode trazer como consequência o distanciamento de algumas pessoas que não tenham a mesma opinião que eu, porque então falar disso? Primeiro, porque quando falo que sou agnóstico (e ateu) quase sempre recebo aquele olhar típico de desaprovação, como se não fosse possível ser uma pessoa boa e agnóstico ao mesmo tempo. Segundo porque nulidade de efeito não justifica ostracismo intelectual sobre nenhum assunto. Mas deixo bem claro desde o começo: o tópico aqui não tem o objetivo de convencer ninguém a mudar de ideia. É simplesmente uma exposição das ideias que me levaram a acreditar que nenhuma religião pode ter 100% de veracidade, ou que o deus de uma certa religião seja o deus verdadeiro.

Durante a história do homem, milhares de culturas foram criadas, quase sempre considerando a existência de uma (ou várias) divindades. Para alguns, isso pode parecer um forte indício de que um ser superior existe. Afinal, se diversos povos, muitas vezes isolados uns dos outros geograficamente, criam culturas que evocam um ser divino para explicar o inexplicável, algo maior que nós deve existir. Eu encaro essa situação de um ângulo um pouco diferente. Esses deuses  são um tanto quanto egoístas: não admitem a devoção a nenhum outro deus. Portanto, se considerarmos que existe um deus, e que ele tenha lá os seus seguidores aqui na terra, todas as pessoas das religiões que não adoram esse deus estão erradas. E, como escrito em muitos dos livros sagrados dessas religiões, elas pagam por isso. E bem caro. Não é muito ilógico? Cruel até? O tal deus cria todo mundo, joga cada um num canto do planeta, pra depois castigar aqueles que não tomaram o conhecimento exato de quem ele é. Por isso é que acho que a lógica da religião já invalida a definição do seu próprio deus. Seja ela qual for.

Mas tudo isso não é nada se comparado à consequência da fé. A fé cega a razão, deturpa o bom senso e causa atrocidades que, em qualquer outro contexto, seriam inimagináveis. Como todas as mortes causadas pela inquisição ou durante as cruzadas. Ou todas as guerras que, no fundo, são causadas pela necessidade de afirmar que a sua crença é a crença verdadeira, e a existência de qualquer outra crença pode colocar isso em risco. Como um pastor que por vaidade e ódio tenta fazer de todo 11 de setembro o dia internacional de queima do Alcorão, e acaba causando um monte de mortes mundo a fora. Ou todos os assassinatos de homossexuais porque todos os dias o ódio a eles é disseminado em igrejas e templos cristãos, só porque a bíblia condena o homossexualismo (Romanos 1:26-27, Coríntios 6:9-10, Levítico 18:22,  Levítico 20:13, etc...). Bom, outro tanto de absurdo também está escrito na bíblia. Se fossemos seguir todos ao pé da letra, teríamos que matar toda criança que bater ou amaldiçoar seus pais (Êxodo 21:15, 17), matar animais inocentes de forma cruel só para fazer deus um pouco mais feliz (Êxodo 29:11-37), não trabalharíamos no sábado sob pena de morte (Êxodo 35:2), ou até mesmo não comeríamos nada com sangue, nem cortaríamos o cabelo ou faríamos completamente a barba (Levítico 29:26, 27). Enfim, a lista de insanidades é grande. Se estiverem curiosos, podem dar uma olhada aqui. Enfim, acreditar que essas palavras foram escritas não por homens (sem nenhum bom senso, diga-se de passagem), mas por deus através das mãos de um homem, e que elas são sagradas e não podem ser questionadas, é algo perigosíssimo. Porque quem se diz pregador da palavra de deus pode pegar algum trecho que justifique um preconceito seu e usá-lo como argumento para disseminar ódio, e as pessoas vão acreditar. E sem a possibilidade de perceber o absurdo que estão fazendo.

Não sei quanto a vocês, mas eu não quero nada disso pra mim. Não quero nada que limite meu bom senso, nem que me leve a julgar ninguém sem nem mesmo conhecer essa pessoa. Prefiro poder ler a bíblia, ou qualquer outro livro de qualquer religião, poder levar pra minha vida só o que de bom tiver neles, como faço diariamente com qualquer outro livro que leia. Sem precisar de temer a deus nenhum para fazer o bem, mas fazê-lo simplesmente porque é bom.

Por fim, deixo aqui a dica do livro “Deus, um delírio”, de Richard Dawkins, que analisa as crenças religiosas de um ponto de vista Darwinista e que, apesar do nome forte que sugere um ataque gratuito à fé, é muito sensato e busca explicar não só porque a religião não tem sentido, mas também porque é falsa a proporcionalidade entre bondade e religiosidade, e porque a religião é tão presente em todas as culturas. E como um último exemplo, vejam esse post do Blog do Pablo Villaça e reparem nos ataques virulentos dos religiosos ao comentário mais que sensato dele sobre uma bobeira que o Datena falou na televisão. Ele até reuniu os ataques mais pesados neste outro post e, acreditem, tem coisa que falam aí que nem deus acreditaria.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Cinema para lembrar como as pessoas são

Sou um amante declarado de cinema. Claro que todas as formas de arte nos despertam sentimentos e sensações que não temos o hábito de sentir cotidianamente, mas as vezes que consigo me lembrar dessas sensações de forma mais intensa foi com algum filme e não com um livro, uma obra de arte ou uma música em particular. E, se você pensar bem, um bom filme é feito por uma boa história em conjunto com imagens e sons que completem essa história, e talvez seja o conjunto de estímulos de todos esses sentidos que me tocam tanto quando vejo filmes. Portanto, não poderia deixar de falar de bons filmes aqui no blog.
Mês passado, baixei o filme “A estrada” (The Road, EUA, 2009). Conta, basicamente, a história de um pai (Viggo Mortensen) e um filho (Kodi Smit-McPhee) que, em um mundo pós-apocalíptico tentam chegar ao litoral por acharem que tem mais chances de sobreviver ali. Em nenhum momento do filme é contado que catástrofe deixou o mundo um lugar tão inabitável. Quase nenhuma espécie animal sobreviveu, praticamente todas as plantações morreram, e os poucos humanos ainda vivos não tem quase nada o que comer. O filme conta com duas linhas narrativas: o “tempo presente”, que acompanha os protagonistas tentando chegar ao litoral; e “um tempo passado”, que mostra a família toda, ainda com a mãe viva (Charlize Theron), pouco tempo depois de ter acontecido a tal catástrofe. Nunca é dito quantos anos separam uma linha narrativa da outra, mas pela idade do garoto pode-se perceber que são mais de 10 anos. E isso é particularmente perturbador: tente imaginar o que cada personagem que você vê durante toda a projeção passou até aquele momento no “tempo presente”... É um exercício angustiante.

Mas, não fosse uma cena em particular, esse seria apenas mais um filme bom que já vi, dentre tantos outros. Fiquei dias até depois de ter visto o filme com essa cena martelando minha cabeça (e, se você ainda não viu o filme, recomendo que pare a leitura aqui e a retome depois de tê-lo visto). Em um ponto, durante a eterna caminhada dos dois, eles encontram uma casa, aparentemente vazia. Obviamente, a fome faz com que entrem em toda casa que encontrem pelo caminho na esperança de achar qualquer coisa que seja para comerem. O problema é que isso é particularmente perigoso nesse contexto: devido à falta de comida, muitos humanos se renderam ao canibalismo para sobreviver. Juntam-se em grupos não muito grandes, geralmente armados, e matam qualquer humano que encontram para se alimentarem. Ao entrarem na casa, encontram uma porta para o porão da casa trancada com um cadeado. Animam-se, pois tem certeza de que algo tão bem guardado não pode ser nada além de comida. Quebram o cadeado e entram em um porão muito mal iluminado. Ao final da escada, um corredor onde se podem perceber algumas entradas para outros cômodos. Quando finalmente entram em um desses cômodos vêem uma série de pessoas, todas nuas, muito magras e assustadas (num plano que, inevitavelmente, lembra outros planos em campos de concentração de filmes sobre a segunda guerra). Todos do cômodo correm para o canto oposto à porta, em pânico. Nesse momento senti uma angústia terrível. A força da cena não me deixou perceber de imediato o que eles estavam fazendo ali. Quando os prisioneiros percebem que quem entrou não é quem eles estavam esperando que fossem, correm desesperadamente para pedirem ajuda. Os protagonistas, assustados, saem correndo daquele lugar e fecham a porta do porão. Mas, enfim, o que diabos eles estavam fazendo lá? Eu ainda não tinha percebido, e fui perceber da pior forma possível: quando eles chegam de volta à cozinha, ouvem passos de pessoas chegando. Os atuais moradores da casa! Num desespero imediato, o pai puxa o filho para o segundo andar, e entram em um banheiro. A banheira, toda coberta de sangue. Nesse ponto, o que estava acontecendo ali me caiu como uma martelada na cabeça: o porão é um curral! Mantém as pessoas ali só para terem o que comer todos os dias. Pensem: um curral de pessoas. Nesse ponto, você passa a temer mais ainda pelos protagonistas. É uma cena bem tensa. Eles têm que sair dali, mas como? Para não delongar muito com a descrição, eles conseguem sair, entram no meio do mato, e ficam quietos esperando anoitecer para terem mais chances de conseguirem fugir sem serem vistos. Os dois caem no sono. Acordam de noite já, aos gritos da refeição do dia sendo abatida... (veja abaixo a cena em questão, ou a maior parte dela, em inglês)



Toda a cena é absurdamente angustiante! Não sei descrever o que senti durante toda ela, mas certamente foi o extremo de algum sentimento ainda sem nome. Nojo, aflição, medo, angústia, desespero, piedade. Um misto de tudo isso. Algo que só o cinema pode proporcionar, pela força das imagens, pela trilha angustiante, enfim, pelo poder que o cinema tem de nos fazer mergulhar na história. Depois do filme, só uma pergunta me afligia: será que existe situação que faria com que as pessoas fizessem tal atrocidade? Já tinha me feito essa pergunta antes: assim que terminei de ler ensaio sobre a cegueira (José Saramago). O tema rendeu até uma boa discussão entre mim e meu grande amigo Fábio Jr Sabai. Ele, defendendo que as pessoas seriam capazes até de algo pior, e eu defendendo o contrário. Não demorou muito tive minha resposta: terminei de ler o livro pouco antes do desastre do furacão Katrina. E não deu outra: no extremo da necessidade e na demora de assistência eficiente por parte do governo, as pessoas ali fizeram exatamente o que Saramago descreve no livro: invadiram casas, roubaram, mataram. Perderam a habilidade de serem solidárias umas com as outras e passaram a agir como animais. Enfim, passo a acreditar que não existe limite para o ser humano: depende só do tamanho do problema que ele tem.
Mas esse é um exemplo de pura ficção. Muito mais tocante é quando o cinema nos chama a atenção para barbaridades que realmente aconteceram. Ele sempre está aí, nos lembrando do que já fomos capazes de fazer, e mesmo assim eu, por duas vezes, tive a inocência de questionar a capacidade do ser humano de cometer atrocidades. Enquanto estava pensando nesse post, vi outros três exemplos (todos baseados em fatos ocorridos durante a segunda guerra) que nem precisam de palavras para se fazerem entender. Só vai um aviso: fique preparado! As cenas são muito, mas muito fortes.


Túmulo dos Vagalumes (Hotaru no haka, Japão, 1988). Confesso que nunca chorei tanto com um filme! Aqui está a primeira parte dele no youtube. Se estiver a fim de vê-lo inteiro, só ir seguindo as partes. Tem ele todo legendado lá!








Auschwitz. Esse ainda não estreou, mas esse teaser já é absolutamente perturbador!







Gen Pés Descalços (Hadashi no Gen, Japão, 1983). Ouvi sobre o filme num post do ótimo blog do crítico de cinema e editor do cinema em cena Pablo Villaça. Não deixem de acessar o blog.