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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Não poderás ser tão igual quanto eu

Semana passada caiu na rede um discurso da deputada Myrian Rios (RJ) contra a PEC 23/2007, um projeto de emenda à constituição do Rio de Janeiro que visa incluir “orientação sexual” entre as discriminações passíveis de punição no estado. Tenta, portanto, fazer para o estado do Rio de Janeiro o que a PLC 122/2006  tenta há 10 anos fazer pelo país. E seu discurso, por si só, já é uma prova inequívoca de que o país precisa urgentemente de uma legislação específica para o tema:


Gostaria de frisar alguns trechos do discurso da deputada:

“...se somos todos iguais, com os mesmos direitos, eu também tenho o direito de não querer um funcionário homossexual na minha empresa.”

“Digamos que eu seja mãe de duas meninas e eu contrate uma babá e essa babá mostra que a orientação sexual dela é ser lésbica... Se a minha orientação sexual não for essa, for contrária, e quiser demiti-la, eu não posso, pois vou estar enquadrada nessa PEC... O direito que a babá tem de se manifestar na orientação sexual dela como lésbica, eu tenho como mãe de não querê-la na minha casa como babá de minhas filhas... Eu vou ter que manter a babá na minha casa, cuidando das minhas meninas e sabe Deus se ela não vai, inclusive, cometer a pedofilia com elas. Eu não vou poder fazer nada.”

“Se o rapaz escolheu ser homossexual o problema é dele. Eu o respeito como próximo, como ser humano... Eu o contrato para ser motorista e eu tenho dois meninos em casa. Ele começa então a vir trabalhar vestido de mulher, travestido, porque essa é a orientação sexual dele. Como mãe de dois meninos, opa, não é essa minha orientação sexual aqui em casa. Aqui em casa, gostaria que meus filhos crescessem pensando em namorar uma menina para perpetuar a espécie, como está em Gênesis. Deus criou o homem e a mulher para perpetuarem a espécie. É uma orientação sexual que eu concordo; que eu vivo e formo meus filhos assim. Mas, se no momento em que eu descobrir que o motorista é homossexual e poderia estar de uma maneira ou de outra, tentando bolinar o meu filho... Não sei, pode de repente partir para uma pedofilia para com os meninos, não vou poder demiti-lo, porque a PEC-23 não me permite, porque causarei prejuízo a esse rapaz que tem orientação sexual homossexual.”

“...Sou uma missionária católica; sou mãe de dois meninos e sou Deputada representando o povo. Representando o povo, quero defender as crianças e os jovens inocentes. Se essa PEC passa, e um rapaz tem uma orientação sexual pedófila, tem a orientação sexual de transar, de ter relacionamento sexual, com menino de três a quatro anos, nós não vamos poder fazer nada, porque ele está protegido pela lei, pela PEC-23, meus queridos. Isso eu não vou permitir.”

“...Eu tenho na minha família primos homossexuais: lésbicas e homens homossexuais. O que eu posso fazer? Na minha casa. Família; de sangue. Pessoas íntimas na minha família que eu respeito; que eu amo; que eu oro; que eu rezo e que eu clamo. Vou fazer o quê? É a opção deles. Eu não os desrespeito; não sou preconceituosa; não deixo de conversar com eles; não deixo de amá-los como ser humano e como filhos de Deus. Mas, não vou permitir que, por desculpa de querer proteger ou para sacarem com violência à homofobia, abramos uma porta para a pedofilia. A orientação sexual pode ser qualquer uma. Como abordei antes, ela pode ser uma relação sexual com uma criança, com um menino e, assim, as crianças serão prejudicadas.”

No discurso da deputada aflora dois argumentos absurdos que infelizmente ainda ouvimos sair da boca de muita gente. Fico impressionado de ouvir uma lógica tão torpe e irracional ser defendida com tanta paixão, muitas vezes por pessoas instruídas, e fico me perguntando o motivo...

1) A ideia de que homossexualidade está diretamente ligado à pedofilia:  Homossexualidade é uma das três principais categorias de orientação sexual (juntamente com Heterossexualidade e Bissexualidade). Caracteriza-se por atração física, estética ou emocional por outro ser do mesmo sexo. Pedofilia, por sua vez, é um desvio sexual caracterizado por preferência sexual por crianças, meninos ou meninas, geralmente pré-púberes. Pedofilia não é, portanto, considerada orientação sexual (pelo menos pelas linhas de pesquisas dominantes), uma vez que crianças são suficientemente diferentes dos adultos, seja física ou psicologicamente, para que a pedofilia possa ser categorizada como tal. Além disso, ao contrario do que a maior parte da mídia diz, os pedófilos não são condenados pro crime de pedofilia. De fato, pedofilia nem é crime no Brasil. Eles são condenados por estupro e atentado violento ao pudor. E não vão deixar de serem condenados por esses crimes (ou pelo crime de pornografia infantil, quando for o caso) caso o PLC 122/2006 ou qualquer outro projeto de lei nesse sentido seja aprovado.

2) A ideia de que conviver com homossexuais faz de alguém um homossexual, o que está diretamente ligado com a impressão de que homossexualidade é uma escolha. Eu acredito que a reflexão sobre uma pergunta retórica simples acaba com esse argumento: quem, em sã consciencia, iria escolher ser gay em um mundo tão preconceituoso? Pra quê? O que ganharia com essa escolha?


O que mais me preocupa no discurso da deputada, assim como no discurso de todas as pessoas que são contra o PLC 122/2006, é que geralmente eles usam o discurso da liberdade de expressão para justificarem seus pensamentos discriminatórios. Como quando ela diz que quer ter o direito de poder escolher demitir uma pessoa por ser homossexual ou quando um pastor ou padre diz que quer ter o direito de condenar o homossexualismo durante seus sermões porque sua religião assim o diz. Uma coisa é você ter a sua crença e acreditar nela e outra muito diferente é quando você usa essa crença pra disseminar o ódio contra outras pessoas. Uma coisa é você demitir um funcionário porque ele é incompetente, outra é você demití-lo por sua orientação sexual mesmo que ele seja competente e plenamente capaz de realizar as funções para as quais foi contratado. E é para amparar os homossexuais nessas situações que o projeto de lei existe. Para coibir uma atitude que deveríamos ser capazes de evitar por simples bom senso. Afinal, orientação sexual não tem relação direta com caráter e competência. As pessoas são homossexuais, heterossexuais ou bissexuais. E elas também podem ser boas, más, competentes, preguiçosas, alegres, tristes, mesquinhas, pedófilas, necrófilas, inteligentes, idiotas, ranzinzas, desorganizadas, eficientes, convencidas, recatadas, promíscuas, exibicionistas, puritanas, etc. Sem que sua orientação sexual tenha relação direta com uma qualidade, defeito ou característica; e vice-versa.

Aliás, você já parou para olhar o texto do PLC 122/2006? Ele altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que  tratava apenas de “crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor”, e o § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que detalha crimes de injúria para elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem; incluindo na definição desses crimes os preconceitos de “condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero”.  Não é, portanto, apenas em defesa dos homossexuais. Aliás, quando dizem “orientação sexual”, incluem Bissexuais e Heterossexuais, ou seja, apesar de não ser comum, eu entendo que seria crime também um eventual preconceito contra héteros em ambientes gays. Para ler o texto todo do projeto de lei da forma como ele está hoje, clique aqui.

Recomendo também a leitura dessa seção de erros e dúvidas comuns sobre o projeto de lei e do texto desse blog que li durante a pesquisa e que achei muito abrangente e interessante.
Para ver o outro lado da moeda, clique aqui. Não deixe de ouvir o audio e ver os vídeos.

Aliás, acredito que não seria preciso projeto de lei algum se as pessoas realmente entendessem que qualquer forma de amor (homo ou hétero) faz um bem enorme aos dois envolvidos, e mal nenhum a nenhuma outra pessoa.