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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Cinema para lembrar como as pessoas são

Sou um amante declarado de cinema. Claro que todas as formas de arte nos despertam sentimentos e sensações que não temos o hábito de sentir cotidianamente, mas as vezes que consigo me lembrar dessas sensações de forma mais intensa foi com algum filme e não com um livro, uma obra de arte ou uma música em particular. E, se você pensar bem, um bom filme é feito por uma boa história em conjunto com imagens e sons que completem essa história, e talvez seja o conjunto de estímulos de todos esses sentidos que me tocam tanto quando vejo filmes. Portanto, não poderia deixar de falar de bons filmes aqui no blog.
Mês passado, baixei o filme “A estrada” (The Road, EUA, 2009). Conta, basicamente, a história de um pai (Viggo Mortensen) e um filho (Kodi Smit-McPhee) que, em um mundo pós-apocalíptico tentam chegar ao litoral por acharem que tem mais chances de sobreviver ali. Em nenhum momento do filme é contado que catástrofe deixou o mundo um lugar tão inabitável. Quase nenhuma espécie animal sobreviveu, praticamente todas as plantações morreram, e os poucos humanos ainda vivos não tem quase nada o que comer. O filme conta com duas linhas narrativas: o “tempo presente”, que acompanha os protagonistas tentando chegar ao litoral; e “um tempo passado”, que mostra a família toda, ainda com a mãe viva (Charlize Theron), pouco tempo depois de ter acontecido a tal catástrofe. Nunca é dito quantos anos separam uma linha narrativa da outra, mas pela idade do garoto pode-se perceber que são mais de 10 anos. E isso é particularmente perturbador: tente imaginar o que cada personagem que você vê durante toda a projeção passou até aquele momento no “tempo presente”... É um exercício angustiante.

Mas, não fosse uma cena em particular, esse seria apenas mais um filme bom que já vi, dentre tantos outros. Fiquei dias até depois de ter visto o filme com essa cena martelando minha cabeça (e, se você ainda não viu o filme, recomendo que pare a leitura aqui e a retome depois de tê-lo visto). Em um ponto, durante a eterna caminhada dos dois, eles encontram uma casa, aparentemente vazia. Obviamente, a fome faz com que entrem em toda casa que encontrem pelo caminho na esperança de achar qualquer coisa que seja para comerem. O problema é que isso é particularmente perigoso nesse contexto: devido à falta de comida, muitos humanos se renderam ao canibalismo para sobreviver. Juntam-se em grupos não muito grandes, geralmente armados, e matam qualquer humano que encontram para se alimentarem. Ao entrarem na casa, encontram uma porta para o porão da casa trancada com um cadeado. Animam-se, pois tem certeza de que algo tão bem guardado não pode ser nada além de comida. Quebram o cadeado e entram em um porão muito mal iluminado. Ao final da escada, um corredor onde se podem perceber algumas entradas para outros cômodos. Quando finalmente entram em um desses cômodos vêem uma série de pessoas, todas nuas, muito magras e assustadas (num plano que, inevitavelmente, lembra outros planos em campos de concentração de filmes sobre a segunda guerra). Todos do cômodo correm para o canto oposto à porta, em pânico. Nesse momento senti uma angústia terrível. A força da cena não me deixou perceber de imediato o que eles estavam fazendo ali. Quando os prisioneiros percebem que quem entrou não é quem eles estavam esperando que fossem, correm desesperadamente para pedirem ajuda. Os protagonistas, assustados, saem correndo daquele lugar e fecham a porta do porão. Mas, enfim, o que diabos eles estavam fazendo lá? Eu ainda não tinha percebido, e fui perceber da pior forma possível: quando eles chegam de volta à cozinha, ouvem passos de pessoas chegando. Os atuais moradores da casa! Num desespero imediato, o pai puxa o filho para o segundo andar, e entram em um banheiro. A banheira, toda coberta de sangue. Nesse ponto, o que estava acontecendo ali me caiu como uma martelada na cabeça: o porão é um curral! Mantém as pessoas ali só para terem o que comer todos os dias. Pensem: um curral de pessoas. Nesse ponto, você passa a temer mais ainda pelos protagonistas. É uma cena bem tensa. Eles têm que sair dali, mas como? Para não delongar muito com a descrição, eles conseguem sair, entram no meio do mato, e ficam quietos esperando anoitecer para terem mais chances de conseguirem fugir sem serem vistos. Os dois caem no sono. Acordam de noite já, aos gritos da refeição do dia sendo abatida... (veja abaixo a cena em questão, ou a maior parte dela, em inglês)



Toda a cena é absurdamente angustiante! Não sei descrever o que senti durante toda ela, mas certamente foi o extremo de algum sentimento ainda sem nome. Nojo, aflição, medo, angústia, desespero, piedade. Um misto de tudo isso. Algo que só o cinema pode proporcionar, pela força das imagens, pela trilha angustiante, enfim, pelo poder que o cinema tem de nos fazer mergulhar na história. Depois do filme, só uma pergunta me afligia: será que existe situação que faria com que as pessoas fizessem tal atrocidade? Já tinha me feito essa pergunta antes: assim que terminei de ler ensaio sobre a cegueira (José Saramago). O tema rendeu até uma boa discussão entre mim e meu grande amigo Fábio Jr Sabai. Ele, defendendo que as pessoas seriam capazes até de algo pior, e eu defendendo o contrário. Não demorou muito tive minha resposta: terminei de ler o livro pouco antes do desastre do furacão Katrina. E não deu outra: no extremo da necessidade e na demora de assistência eficiente por parte do governo, as pessoas ali fizeram exatamente o que Saramago descreve no livro: invadiram casas, roubaram, mataram. Perderam a habilidade de serem solidárias umas com as outras e passaram a agir como animais. Enfim, passo a acreditar que não existe limite para o ser humano: depende só do tamanho do problema que ele tem.
Mas esse é um exemplo de pura ficção. Muito mais tocante é quando o cinema nos chama a atenção para barbaridades que realmente aconteceram. Ele sempre está aí, nos lembrando do que já fomos capazes de fazer, e mesmo assim eu, por duas vezes, tive a inocência de questionar a capacidade do ser humano de cometer atrocidades. Enquanto estava pensando nesse post, vi outros três exemplos (todos baseados em fatos ocorridos durante a segunda guerra) que nem precisam de palavras para se fazerem entender. Só vai um aviso: fique preparado! As cenas são muito, mas muito fortes.


Túmulo dos Vagalumes (Hotaru no haka, Japão, 1988). Confesso que nunca chorei tanto com um filme! Aqui está a primeira parte dele no youtube. Se estiver a fim de vê-lo inteiro, só ir seguindo as partes. Tem ele todo legendado lá!








Auschwitz. Esse ainda não estreou, mas esse teaser já é absolutamente perturbador!







Gen Pés Descalços (Hadashi no Gen, Japão, 1983). Ouvi sobre o filme num post do ótimo blog do crítico de cinema e editor do cinema em cena Pablo Villaça. Não deixem de acessar o blog.

3 comentários:

Anônimo disse...

Epifanias, não é um blog qualquer; é especial, diferente, reflexivo. É escrito por um adulto questionador que desde de criança tenta buscar explicação para o inexplicável. Nunca aceitou respostas incompletas. Sempre falou pouco e observou muito. Sinto-me honrada em acompanhar seu blog, filho, querido! Gosto de tudo que você escreve e, às vezes, um comentário seu, me estimula a tomar atitude. Tenho muito orgulho de ser sua mãe porque ao criá-lo, sei que fiz a coisa certa. Continue escrevendo e seja sempre essa pessoa maravilhosa que você é.
Um beijo no coração!
Mãezinha

Anônimo disse...

Magão, realmente sua mãe fez você se emocionar e como não, até eu me emocionei!!! Seu último post é bem chocante e traz reflexões hipotéticas e angustiantes, nem vi os vídeos porque sei que nem dormiria a noite, mas o Túmulo dos Vagalumes, que eu vi essa parte com você,mostra que mesmo em tempos de atrocidades ainda podemos ver abondade nos homens.
Ultimamente tenho me decepcionado constantemente com o comportamento das pessoas e me perguntando se há esperança para nossa humanidade, se compensa ajudar as pessoas, e sinceramente ainda não encontrei as respostas,mas não consigo deixar de escutar e plo menos falar alguma coisa quando alguém me pede seu tempo.
Continue escrevendo pra me ajudar a questionar mais e chegar as minhas respostas :)
Amo você!!
Lud

Anônimo disse...

Maguinho,que bom ver vc garimpando no mundo das palavras ,buscado conforto para a alma.
Continue, em pouco tempo terás lapidado muitas jóias .
Um grande abraço,fique com Deus!